sexta-feira, 17 de setembro de 2010

As quatro bolas



Era uma vez, no país de Vindhya, para além das Sete Montanhas, um
homem
chamado Ganesha, de boa casta, que tinha quatro filhos. Quando os
filhos
já estavam crescidos, em plena adolescência, florindo fortes e sadios,
o espírito
do pai começou a desdobrar de inquietações e incertezas.
Notou que cada filho tinha um feitio e esse feitio diferia
radicalmente dos feitios de
seus irmãos. O mais velho era caladão, descoroçoado de tudo, sem ânimo
para
trabalhar, sempre tímido e combalido para as coisas mais belas e
banais da vida.
Mostrava-se o segundo cheio de manias, e quando se agarrava, teimoso,
opiniático,
a uma idéia, não a deixava; sempre incorrigível, surdo aos conselhos e
advertências,
O terceiro, inteligente, hábil e industrioso, esforçava-se por
prosperar na vida,
O quarto, finalmente, revelava-se arrebatado, violento, impulsivo e
desonesto;
queria, em tudo por tudo, ilaquear o amigo e esbulhar o companheiro.
Impressionado com aquela inexplicável diversidade de gênios observada
entre
os adolescentes, o cauteloso Ganesha foi procurar um sábio e vetusto
Agostya,
eremita de incontáveis virtudes, apontado entre os eleitos, e
consultou-o:
Tenho, senhor, quatro filhos. Foram por mim educados da mesma forma,
com
exemplos idênticos e orientados por iguais ensinamentos.Eu e minha
esposa
tratamos os nossos filhos com bondade, conduzindo-os, sem asperezas,
pelo caminho
do Bem e da Virtude. E agora que estão crescidos, prontos para a vida,
o que vejo?
Cada um deles tem um temperamento, um caráter, um gênio. Um é meigo e
bondoso;
manifesta-se o outro grosseiro e mau; um deseja progredir, prosperar,
auxiliar seus
amigos, ao passo que o outro é vadio, desinteressado de tudo,
molengo.
Como se explica isso, doutor brâmane, como se explica essa diferença
entre criaturas
que beberam a mesma água, comeram o mesmo arroz, viveram sob o mesmo
teto
e ouviram as mesmas preces e conselhos?

O sábio Agostya, o Compassivo, levou o deprimido pai a uma sala ampla,
de paredes
cor de barro. Havia nessa sala apenas uma mesa quadrada, tosca, de
ferro; e, sobre
a mesa, estavam colocadas quatro bolas escuras.

Pousou o sapiente eremita a mão no ombro de Ganesha e assim falou com
voz mesurada:

- Está vendo, meu amigo, aquelas quatro bolas? Repare bem. Observe-as
com atenção.
São rigorosamente iguais na forma, no tamanho, na densidade e na cor.
Tem alguma dúvida? Todas as quatro encerram o mesmo peso. As quatro
bolas
parecem perfeitamente iguais. Não acha?

- Sim, tudo é certo - concordou o velho Ganesha, depois de sopesar as
quatro bolas e
revirá-las nas mãos.
- Poderei jurar, pela sombra dos deuses, que estas quatro bolas são
iguais.

Pois bem - tornou o sábio - as aparências enganam. Enganam os mais
atilados e os
mais precavidos. Atire uma a uma, com a mesma torça, com o mesmo
impulso, as
quatro bolas de encontro àquela parede.

O pai atirou a primeira bola; e esta, com o choque, achatou-se,
esborrachou-se e
caiu disforme ao pé da parede.

Tomou, a seguir, a segunda bola e arremessou-a à parede, exatamente
como
fizera com a primeira.

A segunda bola, ao chocar-se com a parede, ficou pregada no lugar em
que havia
batido e dali não se desprendeu mais.

Coisa bem diversa ocorreu com a terceira bola. Esta ao ser lançada,
como as anteriores,
bateu na parede e saltou de novo, perfeita, como se fosse movida por
estranha mola
segura e firme.

A quarta e última bola, arrojada à parede, deu um estalido forte e
fragmentou-se
em vários pedaços que saltaram para todos os lados. Um desses
fragmentos
poderia ferir quem estivesse ao seu alcance. Tudo, no caso, parecia
incender mistério.

- Essas quatro bolas concluiu o judicioso discípulo de Rama são
precisamente como
os filhos do mesmo pai. Perecem iguais, deviam ser idênticos, mas cada
um deles
tem um caráter, um feitio. A primeira bola, que bateu na parede e caiu
como um molambo,
é o filho inútil, moleirão; representa a segunda bola, agarrada à
parede, o filho
teimoso, obstinado, cabeçudo, que não atende a nada e não quer
obedecer a ninguém;
a terceira bola é o filho prestativo e bom que salta radiante para
voltar às mãos do pai e
servir de novo; a quarta e última bola é a imagem do arrebatado, o
desmancha-prazeres,
violento, impulsivo. Pode o homem buscar tesouros e colher sabedoria
por todos
os cantos do mundo, mas só a verdade de Deus é que fica em seu
coração.

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